O antigo presidente da República Mário Soares criticou a perda dos "princípios europeus" e o professor de Direito defende que é altura de travar o comportamento político da chanceler alemã. Soares considera que não existem motivos para temer o Fundo Monetário Internacional (FMI) e lembra que, por duas vezes, este ajudou a resolver os problemas de Portugal. Perspetivas partilhadas pelo antigo ministro e professor de Direito Freitas do Amaral.
O ex-Chefe de Estado denunciou o capitalismo selvagem e apontou a necessidade inevitável da União Europeia em controlar a especulação e o capitalismo selvagem.
"A minha resposta é esta: nós temos, mais tarde ou mais cedo, em termos europeus, que controlar os mercados especulativos que só pensam no dinheiro e temos que explicar com a força dos factos que, mais importante que o dinheiro, são as ideias das pessoas, os princípios e os valores", declarou Mário Soares, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto, durante a conferência sobre “Democracia no século XXI: que hierarquia de valores?”.
O ex-presidente da República considerando o fenómeno dos mercados "absolutamente escandaloso", conduzido “por poucas pessoas”, e criticou o capitalismo " especulativo e selvagem" em que vivemos. "São os principais agentes desses mercados que fazem tremer os políticos e que põem os políticos de joelhos. Ainda por cima têm agências de rating que diariamente nos avaliam mas que são funcionários desses mesmos mercados. Onde é que fica a política nisto?", questionou Soares.
Neste sentido, Mário Soares defendeu que punições para "aqueles que usam o capitalismo financeiro para criar uma recessão interna em cada país”. "Foi o que sucedeu na Bélgica, foi o que sucedeu na Irlanda, é o que nós estamos em risco que venha a suceder em Portugal, espero que não", sublinhou.
Notando que a crise atual portuguesa é global e importada, "à qual se juntou agora esta crise política infeliz", o antigo primeiro-ministro e Presidente da República sustenta que "para evitar a recessão, a prioridade das prioridades é reduzir o desemprego".
“Quem manda é a senhora Merkel”
Na mesma orientação de crítica às ações externas que têm influenciado Portugal, Mário Soares alertou que foram abandonados "completamente os princípios europeus".
"Hoje quem manda é a senhora Merkel e um pouco o senhor Sarkozy, porque ela precisa do Sarkozy e o Sarkozy obedece", observou Soares. Questionando-se sobre o motivo desta liderança, Soares não teve dívidas: "a senhora Merkel é a economia mais próspera da Europa e por isso é quem manda".
"E quem é que fez a unidade alemã senão toda a Europa que entrou com dinheiro para permitir que a Alemanha se unisse - e ainda bem que se uniu -, mas não para vir agora mandar na Europa ou ser dona da Europa, porque isso levanta-nos logo uma situação terrível que é a de começarmos a pensar 'mas estes alemães já nos levaram a duas guerras mundiais. Vamos para outra?'", acrescentou.
Mário Soares sublinha que esta atitude é contrária ao “projeto europeu dos pais fundadores".
No mesmo sentido, Freitas do Amaral entende que os especuladores não estão diretamente interessados em Portugal, mas antes em testar a vontade de Angela Merkel em defender o euro. "Se isso for assim, a especulação contra Portugal não vai parar", aventa o professor de Direito Constitucional.
O antigo ministro considera ser este o momento para travar o comportamento político da chanceler alemã, que no seu Parlamento criticou os deputados portugueses. Freitas do Amaral nota que Merkel só foi eleita por 40 por cento do povo alemão, mas não foi eleita chanceler da Europa.
Caso a chanceler alemã pretender que os outros países concretizem a sua visão política, Freitas do Amaral aconselha "que aceitem o federalismo político - como o dr. Mário Soares, eu e tantos outros defendemos há 30 anos -, que vá a eleições e se for Chanceler da Europa cá estamos para lhe obedecer".
Angela Merkel "vai até onde a deixarem ir, mas nunca irá mais além. Quando surgir alguém a dizer basta, parará. Acho que está na altura de alguém dizer basta", afirmou Freitas do Amaral.
Soares pede contenção verbal nas eleições
Mário Soares adiantou que os partidos políticos devem fazer uma campanha eleitoral com moderação verbal e “não se injuriem uns aos outros”, porque estão sujeitos a terem de se entender após as legislativas de 5 de junho.
"Os partidos têm de perceber que têm que fazer um grande exame de consciência sobre eles próprios, porque estão eles próprios a perder credibilidade", sublinhou.
"Mesmo que consideremos um político que não tem um passado muito glorioso em matéria de respeito pelos dinheiros alheios ou outro que diga uma coisa e depois diga outra, não podemos estar a chamar que este é um bandido e este é um mentiroso", defendeu.
Mário Soares recordou o Governo de coligação que chefiou entre 1983 e 85. "Uma coligação em que tudo se passava à volta do Governo, como senão houvesse coligação pela razão de que eu e o chefe do partido que estava na coligação com os socialistas - o professor Mota Pinto - tínhamos uma confiança absoluta entre um e outro e podíamos falar bem", lembrou.
O histórico socialista observa que a confiança "falha neste momento em Portugal e isso é realmente grave" porque “os partidos deixaram-se esclerosar um bocado e começaram a entrar em crispação".
Soares e Freitas desdramatizam FMI
O antigo Presidente da República garante não ter medo do FMI e até lembrou que teve de recorrer em dois momentos, tendo resolvido os problemas. Do mesmo modo, o antigo vice-primeiro-ministro de Sá Carneiro, Freitas do Amaral, acusou o Governo e o PSD por terem criado o "fantasma" da ajuda externa, criticando a insistência em “resistir” a todo o curso”.
"Tanto o Governo como o principal partido da oposição convenceram-se” que “seria uma fatalidade para o nosso país ter que pedir ajuda externa, fosse ela à União Europeia ou ao FMI", lamentou o ex-ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros.
Freitas do Amaral criticou ainda o atual secretário-geral do PS por dizer “que era uma indignidade nacional recorrer ao FMI quando o fundador e primeiro secretário-geral do PS (Mário Soares) recorreu duas vezes ao FMI e não foi nenhuma indignidade e salvou o país por duas vezes da bancarrota".
Freitas do Amaral pede esclarecimentos ao Governo
O professor de Direito Constitucional desafia o Governo a esclarecer se a intervenção do FMI em Portugal é necessária, pois não tem dúvidas de que o atual executivo tem capacidade jurídica para tomar as decisões que possam beneficiar o país, mesmo estando em gestão.
"Juridicamente pode. A Constituição diz que um Governo de gestão pode fazer tudo o que for necessário ao país", respondeu, aos jornalistas, Freitas do Amaral, notando que "tudo parece estar a encaminhar-se para nos empurrar para a necessidade de pedir uma ajuda externa".
Numa entrevista à TVI, nesta quinta-feira, o ministro das Finanças afirmava que a única entidade que pode, nesta altura, assumir compromissos em nome de Portugal é o Presidente da República.
Freitas do Amaral, em alusão a estas declarações, argumenta que "um Governo de gestão não é um palhaço, não é um boneco" embora admita que este “não pode cumprir o seu programa como se estivesse em plenitude de funções”.
No entanto, o Governo em gestão “tem que assegurar a continuidade do Estado até entregar ao Governo seguinte". Por isso, o Governo “mesmo estando em gestão, tem a obrigação de manter os portugueses informados acerca da evolução da situação".
"Eles que nos esclareçam porque nós cidadãos estamos aflitos, vemos o cerco a apertar-se à volta do nosso país. Se o Governo diz que não há razão para sustos, então que nos explique", sublinhou.
Fonte: http://tv2.rtp.pt/noticias/index.php?t=Soares-e-Freitas-pedem-controlo-de-especulacao-na-UE.rtp&article=429743&layout=10&visual=3&tm=9
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