Estar em guerra com o terror é tão estúpido como estar em guerra com o medo ou com o cancro
Afinal ainda estamos em guerra com "o terror" e acabamos de arranjar um novo inimigo, o Iémen. Tudo o que Susan Sontag escreveu sobre a doença como metáfora a propósito da sida podia agora ser escrito a propósito desta guerra antiterror e da histeria mediática que ela causa, destinada a causar ainda mais terror do que o terror propriamente dito. Estar em guerra com o terror é tão estúpido como estar em guerra com o medo ou com o cancro. São factos, não são declarações de guerra. São, às vezes, sentimentos.
Vamos ter mais medidas de segurança em aeroportos, mais scanners, mais restrições e aflições, mais investigações, mais detenções e arbitrariedades. E, como se calcula, nada disto fará, exactamente, parar a guerra com o terror que é uma guerra que por definição é intemporal e infinita. Em rigor, só acabaria quando todos os terroristas estivessem mortos e como nunca saberemos quantos são, como são e quantos restam, nunca veremos o fim desta guerra. Da sua toca, Dick Cheney esboçou o sorriso cínico e ameaçou a América de Obama de ser um país fraco e impotente, à mercê de um nigeriano da classe média que resolveu usar umas cuecas explosivas.
Nunca será possível impedir a doutrinação de um jovem da classe média-alta que está entediado com a vida e sente a mesma repulsa patológica pela sociedade que os seus companheiros brigadistas dos anos 70. Nunca será possível prever todos os terroristas, todos os desocupados, todos os recrutados, todos os anarquistas, todos os psicopatas, todos os extremistas, todos os socialmente desadequados, todos os vingadores e todos os vingativos. Todos os agentes duplos. O terrorismo, tal qual o conhecemos desde o 11 de Setembro, faz parte das nossas vidas. E continuará a fazer. Se Obama ouvir o canto das sereias e dos falcões, estragará uma boa parte do trabalho que tem sido feito, e com êxito, contra actos terroristas. Se existe uma coisa que a América não suporta é o "terror", sem saber bem o que é o "terror".
O caso do nigeriano, como o dos sauditas de classe alta implicados em manobras terroristas, não faz parte dos livros e dos manuais antiterroristas. A razão pela qual o aviso do pai junto da Embaixada americana e da CIA não foi levado em conta é simples. Desde que começou a guerra antiterror que ameaças e denúncias de "terroristas" chegam às instâncias e são filtradas. Isto acontece todos os dias. A maior parte das denúncias são falsas ou pedidos de ajuda para encontrar um membro da família que desapareceu. Quando se trata de um membro de uma classe social elevada, o desconto dado é maior. Na imaginação, o terrorista não anda em colégios particulares nem usa andares luxuosos em Londres enquanto estudante. Não é filho de banqueiros e antigos ministros. No entanto, muitos dos terroristas da definição clássica, ideologizados por opção e não por imposição (como os órfãos das madrassas do Paquistão) são jovens da classe média, educados em universidades do mundo europeu ou americano.
A histeria trará consigo o desnorte. Desde o dia de Natal, data do atentado, a América esqueceu-se da crise económica, do sistema de saúde, de tudo. A gritaria nos media é tanta que Obama será empurrado para produzir afirmações inventadas pela Administração Bush para justificar o statu quo. Desde o 11 de Setembro, europeus e, sobretudo, ingleses, já abortaram e preveniram vários atentados, sem ameaçar países nem justificar guerras preventivas. Cabe aos serviços secretos e militares destes países conduzir na sombra um trabalho que deve permanecer na sombra e que, desde o 11 de Setembro, tem tido assinaláveis sucessos. Que nunca são mencionados nem devem sê-lo porque a histeria conduz à irracionalidade e à retórica republicana que condensa o pior e o mais primitivo do Partido Republicano, a níveis "palinianos" para quem se lembra da senhora. O mesmo partido que privatizou a guerra e criou task forces de extermínio, dependentes de gente como o senhor Erik Prince, o patrão da Blackwater, a empresa de mercenários que resolveu substituir o Estado e os agentes do Estado na "guerra contra o terror" usando métodos terroristas, justamente. Numa entrevista dada à "Vanity Fair", Prince (lembram-se de Ollie North?) produz afirmações que num estado de direito o deveriam levar à prisão e julgamento. Armado em cowboy, Prince construiu um serviço privado de extermínio e rapto de presumíveis terroristas, the bad guys, que vai contra a Constituição americana. Protegido pelo seu conhecimento das práticas da Administração anterior, sabe que jamais lhe tocarão. Nenhum Presidente ousa pôr em causa outro Presidente. E Cheney vive e prospera à custa disto. Este será o teste maior de Obama.
Clara Ferreira Alves (www.expresso.pt)
0:00 Quinta-feira, 14 de Jan de 2010
0:00 Quinta-feira, 14 de Jan de 2010
Texto publicado na edição do Expresso de 09 de Janeiro de 2010
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