Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt
De um dia para o outro, quatro défices subiram; a curva dos juros ficou irracionalmente quase invertida; passámos de "Portugal não precisa de ajuda" para "o Governo não tem condições para pedir ajuda". Ah: e deixámos de ter Governo. Hoje é dia das mentiras. Ontem também foi.
Portugal tornou-se um País de políticos covardes. Ninguém assume a crise política que nos leva a mais umas eleições. Ninguém dá a cara por um pedido de ajuda externa. Ninguém mais usa a palavra "responsabilidade", mas sim "ónus" e "culpa" - e sempre referindo-se a outros.
Estamos sem Governo. O que lá está entende não ter poder para mandar cantar um cego. Mesmo que o Presidente da República entenda o contrário: a discórdia é compreensível, o próprio Presidente tem dito - e mostrado - que não tem poder. Isto não é um Governo em gestão, é um País em autogestão.
Os ratos estão a abandonar o barco. O primeiro-ministro sai de fininho da sua última sessão no Parlamento. O ministro das Finanças diz que já não é nada com ele. Todos os dias o Diário da República está mais grosso, com nomeações de assessores que passam para directores-gerais.
Ouvem-se loas diárias às grandes empresas - as Galp, as EDP, as PT - de gente que talvez lá vá parar daqui a semanas. Nas administrações destas empresas, os telefones não param: metade é da gente que está a sair do Governo; a outra metade é da gente que pensa que lá vai entrar. "Boys will be boys"...
Mesmo nas empresas públicas: Almerindo Marques bate com a porta na Estradas de Portugal; a Refer, a mais irracionalmente endividada empresa em Portugal, está há seis meses sem conseguir contratar um administrador financeiro.
Pode Portugal ficar dois meses à deriva? Pode. Ficará pior, mas pode. Portugal pode tudo, aliás. Até ser obrigado a rever défices orçamentais de quatro anos, porque o Eurostat decidiu corrigir-se a si mesmo e porque o Governo pensou que a contabilidade era infinitamente elástica. A verdade não vem sempre ao de cima. A dívida vem.
De tudo o que o Governo foi ontem obrigado a engolir nas contas públicas, nada é estranho. O buraco do BPN (e o aval ao BPP) já devia ter sido reconhecido no passado. As empresas de transporte são lixeiras de dívida a céu aberto há décadas. É verdade que o Eurostat foi amigo da onça, ao escolher esta data. Mas não inventou nada. Estas alterações não são indolores: o "buraco" das empresas públicas vai perdurar; e a imagem externa do País é prejudicada. Não é pelo mau aspecto. É porque estamos aflitos.
Pode Portugal escapar sem ajuda? Não. Hoje, o Estado vai ao mercado pedir dinheiro a curto prazo para substituir dívidas de longo prazo e pagando um juro altíssimo. Já se cobra mais a dois anos do que a dez, sinal claro de percepção de insolvência. Mais: Portugal "inventa" hoje Obrigações a 15 meses. Porquê? Porque os credores só emprestam dinheiro até final de 2012. A partir de 2013 entram em vigor as regras de Merkel, segundo as quais os investidores privados também perdem dinheiro se um Estado afundar...
Com as emissões de dívida de hoje, Portugal garantirá os pagamentos até Junho. E depois? Depois há eleições e a culpa há-de ser de alguém. É estranho: a Comissão Europeia só aceita o pedido de ajuda com acordo do PS, PSD e Presidente para as medidas de austeridade. Mas nem PS, nem PSD nem Presidente querem pronunciar a palavra. Talvez seja melhor comprar um boneco Nenuco daqueles que falam quando se aperta a barriga. Basta uma palavra: "A-ju-da". Os outros depois assinam as condições de austeridade. A culpa será do boneco. Como sempre.
Fonte: http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=477137
0 sdt2010:
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