Nasceu em duas empresas inglesas: "the scheme". Bancos portugueses adaptaram a fraude fiscal como "produto financeiro"
O esquema internacional que fez o fisco português perder centenas de milhões de euros nasceu em Inglaterra e a sua autora original é a consultora Calbourn Investments, Ltd.
A Calbourn, que chegou a ter escritório em Lisboa, inventou um esquema complexo (chamava-lhe mesmo "the scheme") que passava obrigatoriamente por sociedades com sede no Reino Unido e administrações no Panamá. Através de facturações sucessivas a sociedades criadas ou especialmente usadas para o efeito, gerava-se uma margem sobre as prestações de serviços ou de trading (compras) que era devolvida à empresa portuguesa compradora com as comissões já retiradas na origem e livre de impostos.
Advogados compram esquema, bancos executam-no Outras empresas destacavam-se no complexo "scheme", que a Calbourn aplicava aos seus clientes e que chegou a vender directamente a duas das maiores sociedades de advogados portuguesas, como documentam os autos da Operação Furacão, que entretanto foram divididos em vários processos.
Entre as empresas inglesas mais usadas nos esquemas de fraude fiscal estão a Treatbase Ltd, a Norex Associated Ltd, a Matthew Edward & Cie, a Overseas Corporate Services, Ltd, a Mees Pierson Trust a Bell House e a William Jeffry.
No início, os clientes portugueses iam a Londres, algumas vezes com os seus advogados, e tratavam do assunto mandando constituir uma sociedade inglesa e uma offshore ou adquirindo as que a consultora já tinha para o efeito.
Rapidamente, porém, algumas sociedades de advogados passaram a oferecer o estratagema fiscal como uma espécie de "planeamento fiscal agressivo". Por pouco tempo. Porque os próprios bancos portugueses depressa criaram sociedades próprias para o efeito e passaram a oferecer aos seus clientes (empresas e particulares) o serviço completo: constituíam a sociedade inglesa ou offshore, recebiam as facturas reais dos produtos ou serviços adquiridos pelos seu clientes e facturavam eles próprios ou mandavam facturar a empresas offshore de que os próprios administradores eram "utilizadores/usufrutuários", como lhes chamam no processo da Operação Furacão (beneficial owners, no original). Posteriormente, vendiam o produto ou o serviço a um valor muito superior à empresa portuguesa, criando um acréscimo de despesa fictício e não sujeito a imposto. Quando recebiam o pagamento vindo da empresa portuguesa, retiravam uma comissão de 5% a 10% de cada factura e a restante margem era devolvida por cheque ou em dinheiro aos gestores da empresa portuguesa "tax free".
bancos acusados só em Portugal Como o i escreveu na semana passada, muitos dos grandes bancos portugueses serão acusados no âmbito da Operação Furacão. O processo relativo aos bancos foi autonomizado e o BCP, o BES, o BPN e o Finibanco vão responder por fraude fiscal, associação criminosa e, eventualmente, branqueamento de capitais. Relativamente ao Banif, porém, não há ainda certezas absolutas sobre se a instituição será ou não acusada, apesar de movimentos de clientes seus estarem a ser analisados no âmbito do processo.
A investigação foi conduzida em Portugal e no Reino Unido, uma vez que o Ministério Público e as Finanças obtiveram a colaboração de várias sociedades inglesas com o compromisso de que não seriam processadas em Portugal. Curiosamente, a colaboração entre o fisco português e o inglês fez-se ao abrigo da convenção sobre a dupla tributação e não, como seria normal, pelos meios de cooperação judiciária e da Eurojust. Ora, sendo manifesto que não havia nestes casos dupla tributação, mas sim evasão ou fraude fiscal, podemos questionar o que terá levado as autoridades a agirem desta forma.
0 sdt2010:
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