O TEXTO DE ROBERT FISK QUE AJUDOU A DERRUBAR O DÓLAR
Atualizado em 06 de outubro de 2009 às 17:44 | Publicado em 06 de outubro de 2009 às 16:34A queda do dólar, que se acentuou nas últimas horas, tem relação com o seguinte texto do repórter Robert Fisk, publicado no jornal britânico Independent:
A deposição do dólar tem data marcada
6/10/2009, Robert Fisk, The Independent
No movimento de mais profunda mudança financeira da história recente do Oriente Médio, os árabes do Golfo planejam – com China, Rússia, Japão e França – deixar de negociar com dólar nas transações do petróleo, trocando-o por uma cesta de moedas que incluirá o iene japonês e o iuan chinês, o euro, ouro e uma nova moeda unificada planejada para as nações no Conselho de Cooperação do Golfo [ing. Gulf Co-operation Council], incluindo Arábia Saudita, Abu Dhabi, Kuwait e Qatar].
Já houve reuniões secretas entre ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais na Rússia, China, Japão e Brasil para elaborar o esquema – o que implica dizer que o petróleo deixará de ser cotado em dólares.
Os planos, confirmados ao Independent por fontes bancárias do Golfo árabe e chinesas em Hong Kong, podem ajudar a explicar o repentino salto nos preços do ouro, mas também anuncia uma extraordinária transição dos mercados de dólar ao longo dos próximos nove anos.
Os norte-americanos, que sabem que as reuniões aconteceram – embora ainda não tenham descoberto os detalhes –, com certeza combaterão contra essa cabala internacional que incluirá Japão e os árabes do Golfo, seu aliados sempre leais. Considerado o pano de fundo das reuniões em curso, Sun Bigan, ex-enviado especial da China ao Oriente Médio, alertou para o risco de que se aprofundem as divisões entre China e EUA, na disputa por petróleo e por influência no Oriente Médio. “São inevitáveis as querelas e os confrontos bilaterais”, disse ele à Asia and Africa Review. “Não podemos baixar a guarda contra hostilidades no Oriente Médio em disputas por interesses energéticos e segurança.”
A frase soa como perigosa predição de futura guerra econômica entre EUA e China na disputa pelo petróleo do Oriente Médio – o que mais uma vez converteria os conflitos na região em batalha pela supremacia entre as grandes potências. A China usa cada vez mais petróleo que os EUA, porque o crescimento chinês é menos eficiente no consumo de energia. A moeda transicional, desse trânsito para longe dos dólares, segundo fontes bancárias chinesas, bem poderá ser o ouro. Pode-se ter uma primeira indicação das quantias envolvidas, se se considera que Abu Dhabi, Arábia Saudita, Kuwait e Qatar têm reservas em dólares estimadas hoje em $2,1 trilhões.
O declínio do poder da economia norte-americana associado à atual recessão global já foi implicitamente reconhecido pelo presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick. “Um dos legados dessa crise pode ser o reconhecimento de que as relações de poder econômico mudaram”, disse ele em Istambul, essa semana, antes das reuniões do FMI e do Banco Mundial. Mas foram a China e seu extraordinário novo poder financeiro – além da velha ira de nações produtoras de petróleo e consumidoras de petróleo contra o poder dos EUA para interferir no sistema financeiro internacional – que desencadearam as últimas discussões envolvendo os Estados do Golfo.
O Brasil manifestou interesse em contribuir para pagamentos por petróleo, em outra moeda que não o dólar; e também a Índia. De fato, a China parece ser a mais entusiasmada dentre as várias potências financeiras envolvida, pelo menos por causa de se gigantesco comércio com o Oriente Médio.
A China importa 60% do petróleo que consome, boa parte do Oriente Médio e da Rússia. Os chineses têm concessões para produção de petróleo no Iraque – bloqueadas pelos EUA até esse ano. E desde 2008 mantém um acordo de US$ 8 bi com o Irã para desenvolver capacidade de refino e recursos de gás. A China tem negócios de petróleo com o Sudão (onde substituiu interesses norte-americanos) e negociou concessões de petróleo com a Líbia, onde esses contratos são joint-ventures.
Além do mais, as exportações chinesas para a região correspondem hoje a nada menos que 10% das importações nacionais dos países do Oriente Médio, com pauta diversificada de produtos (de automóveis a sistemas balísticos, alimento, vestuário, até bonecas). Em claro sinal do fortalecimento muscular das finanças chinesas, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, pediu ontem a Pequim que deixe subir a cotação do Yuan frente a um dólar em queda livre e, por extensão, para que reduza a dependência da China da política monetária dos EUA – para ajudar a reequilibrar a economia mundial e diminuir a pressão altista sobre o euro.
Desde os acordos de Bretton Woods – os acordos, depois da II Guerra Mundial, que lançaram as vigas da arquitetura do moderno sistema financeiro internacional –, os parceiros comerciais dos EUA foram forçados a lidar com o impacto do controle por Washington e, mais recentemente, também com a hegemonia do dólar como moeda de reserva global.
Os chineses creem, por exemplo, que os EUA persuadiram os britânicos para que se mantivessem fora do euro, com vistas a evitar que surgisse algum movimento precoce de fuga para longe do dólar. Mas fontes bancárias chinesas dizem que suas novas discussões já avançaram demais para que possam ser bloqueadas. “Os russos eventualmente trarão o rublo para a cesta de moedas” – disse ao Independent um importante corretor de Hong Kong. “Os britânicos estão presos no meio disso tudo, e entrarão no euro. Não têm escolha, porque não poderão usar o dólar norte-americano.”
Fontes financeiras chinesas acreditam que o presidente Barack Obama está ocupado demais consertando a economia dos EUA, para poder pensar nas extraordinárias implicações de uma transição para fora do dólar num período de nove anos. O prazo final para a troca de moedas é 2018.
Os EUA discutiram superficialmente essa tendência no encontro do G20 em Pittsburgh; o presidente do Banco Central Chinês e outros funcionários já há anos preocupam-se com o dólar e não escondem suas preocupações. O problema deles é que grande parte da riqueza nacional chinesa está amarrada ao dólar.
“Esses planos alterarão a face das transações financeiras internacionais”, disse um banqueiro chinês. “EUA e Grã-Bretanha devem começar a preocupar-se muito. Vocês logo verão a extensão das suas preocupações, pela tempestade de vozes que acorrerão para desmentir essas notícias.”
O Irã anunciou mês passado que suas reservas de moedas estrangeiras serão doravante feitas em euros, não mais em dólares. Os bancos não esquecem, é claro, o que aconteceu ao último produtor de petróleo do Oriente Médio que vendia seu petróleo em euros, não em dólares. Apenas alguns meses depois de Saddam Hussein trombetear sua decisão, EUA e Grã-Bretanha invadiram o Iraque.
in http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/o-texto-de-robert-fisk-que-ajudou-a-derrubar-o-dolar/
WHITNEY: FISK TEM RAZÃO, MAS NEM TANTO
Atualizado em 06 de outubro de 2009 às 17:46 | Publicado em 06 de outubro de 2009 às 17:34O céu realmente está desabando?
A histeria do dólar
por Mike Whitney, no Counterpunch
Robert Fisk acendeu o estopim com sua narrativa bombada que aparece na edição de terça do jornal britânico Independent, que se tornou viral durante a noite e se espalhou por todos os cantos da internet empurrando o ouro para U$ 1,026 a onça. Agora todo site catastrófico da blogosfera publicou o texto "chocante" de Fisk e os blogs estão congestionados com comentários enlouquecidos dos que querem sobreviver escondidos em bunkers e dos fãs do ouro que acham que o mundo como a gente conhece acabou.
Do artigo de Fisk:
No movimento de mais profunda mudança financeira da história recente do Oriente Médio, os árabes do Golfo planejam – com China, Rússia, Japão e França – deixar de negociar com dólar nas transações do petróleo, trocando-o por uma cesta de moedas que incluirá o iene japonês e o iuan chinês, o euro, ouro e uma nova moeda unificada planejada para as nações no Conselho de Cooperação do Golfo [ing. Gulf Co-operation Council], incluindo Arábia Saudita, Abu Dhabi, Kuwait e Qatar].
Já houve reuniões secretas entre ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais na Rússia, China, Japão e Brasil para elaborar o esquema – o que implica dizer que o petróleo deixará de ser cotado em dólares.
Os planos, confirmados ao Independent por fontes bancárias do Golfo árabe e chinesas em Hong Kong, podem ajudar a explicar o repentino salto nos preços do ouro, mas também anuncia uma extraordinária transição dos mercados de dólar ao longo dos próximos nove anos.
Os norte-americanos, que sabem que as reuniões aconteceram – embora ainda não tenham descoberto os detalhes –, com certeza combaterão contra essa cabala internacional que incluirá Japão e os árabes do Golfo, seu aliados sempre leais. Considerado o pano de fundo das reuniões em curso, Sun Bigan, ex-enviado especial da China ao Oriente Médio, alertou para o risco de que se aprofundem as divisões entre China e EUA, na disputa por petróleo e por influência no Oriente Médio. “São inevitáveis as querelas e os confrontos bilaterais”, disse ele à Asia and Africa Review. “Não podemos baixar a guarda contra hostilidades no Oriente Médio em disputas por interesses energéticos e segurança.”
"Cabala internacional"? Dá um tempo, Fisk, você é melhor que isso.
Reportagens sobre o fim do dólar são grandes exageros. O dólar pode cair, mas não vai desabar. E, a curto prazo, com certeza vai se fortalecer quando os mercados reentrarem o campo gravitacional da terra depois de uma longa jornada de 6 meses pelo espaço. A relação entre a queda do preço das ações e o dólar fortalecido está bem estabelecida e, quando os mercados se corrigirem, o dólar vai se recuperar. Pode apostar nisso. Então por que todo esse exagero a respeito de homens do Oriente Médio em "reuniões secretas" e cofiando suas barbas enquanto planejam contra o império?
Não é esse o ponto central do artigo de Fisk?
Sim, o dólar vai cair (eventualmente) mas não pela razão que a maioria das pessoas pensa. É verdade que o aumento dos gastos deficitários [dos Estados Unidos] deixa os que têem dólares no estrangeiro preocupados. Mas eles estão mais preocupados com o programa do Banco Central americano que acrescenta dinheiro ao meio circulante pela compra de papéis assegurados por hipotecas e papéis do Tesouro. Bernanke [o presidente do Banco Central americano] está imprimindo dinheiro e jogando no sistema financeiro para evitar que o rigor mortis se estabeleça. Naturalmente, o Banco Central foi obrigado a quantificar exatamente quanto dinheiro pretende criar "do ar" para aplacar seus credores. E fez isso. (O programa termina no início de 2010). Dito isso, a China e o Japão ainda estão comprando papéis do Tesouro, o que indica que eles ainda não saltaram do barco.
A razão verdadeira pela qual o dólar vai perder seu papel de moeda de reserva mundial é ligada ao fato de que os mercados americanos, que até recentemente contribuíam com 25% da demanda global, estão em queda. Nações dependentes de exportações -- como o Japão, a China, a Alemanha e a Coréia do Sul -- já entenderam o que vem por aí. O consumidor americano está enterrado numa montanha de dívidas, o que significa que não vai voltar a comprar em breve. Além disso, o desemprego está disparando, a riqueza pessoal está em queda, a poupança está aumentando e a tendência antisindical de Washington vai garantir que os salários continuarão estagnados no futuro próximo. Assim, a classe média americana não será mais a força por trás da demanda global como era antes da crise. Se os consumidores são menos capazes de comprar um Toyota Prius ou comprar a parafernália eletrônica chinesa à venda no WalMart, haverá menos incentivo para que governos estrangeiros e seus bancos centrais acumulem montanhas de dólar ou negociem exclusivamente em dólar.
Aqui está um clip do Globe and Mail citado no blog de Washington:
Um relatório da UBS Investment Research diz que que embora seja errado dizer que o dólar acabou como moeda de reserva global, o controle de 90 anos daquela posição está enfraquecendo. 'O uso do dólar como moeda de reserva internacional está em declínio', diz o economista do UBS Paul Donovan.
A presença do dólar nas transações internacionais deve diminuir nos próximos meses e anos, mas só um erro político persistente -- ou dificuldades econômicas -- fará com que o dólar perca o status de moeda de reserva completamente.
O relatório do UBS diz que a queda do dólar americano não se dá por causa dos bancos centrais, mas por causa do setor privado, quando companhias individualmente abandonam o dólar como sua moeda de escolha.
"O uso do dólar pelo setor privado é mais importante que o oficial, que as reservas de bancos centrais -- algo como 20 vezes mais importante, dependendo da interpretação", disse Donovan. "Há sinais de que o afastamento do dólar por parte do setor privado se acelerou desde 2000"
Com o setor privado se afastando do dólar, os governos, investidores e bancos centrais seguirão. A suave tirania dominadora do dólar vai se erodir e a paridade entre moedas e governos vai crescer. Isso vai criar oportunidades melhores para consenso internacional em assuntos de interesse mútuo. Uma nação não será capaz de ditar a política internacional.
A assim chamada "hegemonia do dólar" acrescentou grandemente ao grosseiro desequilíbrio de poder no mundo de hoje. Colocou as decisões globais nas mãos de um punhado de guerreiros de Washington cuja visão estreita nunca se estendeu além dos interesses materiais deles próprios e de seus seguidores. Quando o dólar enfraquece e a demanda do consumidor americana entra em declínio, os Estados Unidos serão forçados a reduzir suas guerras e ajustar seu comportamento às normas internacionais. Ou isso, ou serão banidos para o ostracismo político.
Então, qual é exatamente o problema?
O status de superpoder se assenta na fundação mambembe do dólar e o dólar está começando a rachar. Fisk está certo até esse ponto; grandes mudanças estão a caminho. Mas ainda não aconteceram.
Mike Whitney responde e-mail no fergiewghitney@msn.com
0 sdt2010:
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